A necessidade de reformas mais amplas (11/08) 11/08/2005
Marcelo Bebiano

O professor Francis Bogossian, reeleito pela quarta vez consecutiva para a presidência da Associação de Empresas de Engenharia do Estado do Rio de Janeiro (AEERJ) e membro da Academia Brasileira de Educação (ABE), destaca, nesta entrevista à FOLHA DIRIGIDA, o importante papel da universidade no país. Importância que, no entanto, não encontra espaço nas políticas públicas. "Falta uma política de desenvolvimento do governo federal que permita o crescimento do Brasil", diz.


Segundo Bogossian, havia uma certa esperança de que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, implementasse uma política voltada para o desenvolvimento — o que não está acontecendo. "Hoje em dia, a Engenharia, que deveria ser o alicerce do desenvolvimento nacional, está estagnada. E isso pode ser comprovado pelo decréscimo do número de alunos na carreira".

Ex-professor de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), formado pela Escola Nacional de Engenharia, Francis Bogossian já soma 40 anos de magistério. Tempo suficiente para, ao fazer uma análise crítica, afirmar a queda da qualidade do ensino básico no país. Fator que, em última análise, termina por gerar universitários despreparados.

"Outra questão é que antigamente os grandes engenheiros eram os melhores professores. Hoje, os professores de Engenharia são, na grande maioria, profissionais que não arrumaram emprego e fizeram mestrado e doutorado para trabalhar nas universidades. Eles têm pouca experiência. E isso contribui para a queda de qualidade do ensino".

Em sua opinião, as universidades públicas deveriam cobrar mensalidades. "As instituições públicas estão sendo freqüentadas pelos mais favorecidos, que puderam estudar em excelentes colégios e ter professores particulares. O aluno carente que teve um ensino de menor qualidade vai para a universidade particular". Acompanhe a entrevista do professor Francis Bogossian:


FOLHA DIRIGIDA - De que maneira a universidade pode contribuir para resolver os graves problemas sociais do país?

Francis Bogossian - A universidade exerce um importante papel na sociedade, mas está sendo prejudicada, assim como todos nós, pelo atual cenário nacional, que apresenta uma grave ausência de desenvolvimento. Havia uma certa esperança de que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, iria retomar o desenvolvimento e isso não está acontecendo. Hoje em dia, a Engenharia, que deveria ser o alicerce do desenvolvimento nacional, está estagnada. E isso pode ser comprovado pelo decréscimo do número de alunos na carreira.

FOLHA DIRIGIDA - A questão do pleno emprego é vital em uma economia globalizada. Em sua opinião, quais são as medidas a serem tomadas para que o problema seja resolvido, ou pelo memos minimizado?

Francis Bogossian - Retomar o desenvolvimento. Cumprir o Plano Energético Brasileiro. Já houve um exemplo desses, pois ficamos quase 20 anos sem desenvolvimento, o que gerou o famoso e recente "Apagão", no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O Plano Rodo-Ferroviário Nacional também não está sendo cumprido. Não estão sendo construídas ferrovias nem rodovias. Não existe manutenção, preservação e construção nesta área. Sou empreiteiro e sei do que estou falando, mas também sou professor de Engenharia. Conheço os dois lados do problema. E o primeiro interessado nesta questão é o país.

FOLHA DIRIGIDA - Em uma sociedade globalizada como a nossa, os cursos da área de Humanas estão perdendo espaço em função do pragmatismo. O senhor considera que o Brasil necessita de uma efetiva política cultural, elevando o prestígio do profisional de Ciências Humanas, embora o senhor seja de outra área?

Francis Bogossian - Os cursos de Ciências Humanas são fundamentais. É preciso que o governo dê atenção a essa área, com o oferecimento de recursos. Embora não seja minha área, considero que as Ciências Sociais representam uma importante parcela de profissionais do país.

FOLHA DIRIGIDA - Qual a opinião do senhor com relação à qualidade do ensino nos cursos de Engenharia? E quanto à formação dos alunos?

Francis Bogossian - Piorou. Antigamente, o estudante tinha várias opções para escolher a melhor universidade. Atualmente, o número de universidades de qualidade está caindo, e as opções estão proporcionalmente reduzidas.

FOLHA DIRIGIDA - A que se deve essa queda de qualidade?

Francis Bogossian - O ensino básico está com um nível ruim e os alunos vão para a universidade despreparados. Com isso, os bons professores perdem o estímulo, desanimam de dar aula e buscam alternativas no mercado de trabalho. Acompanhei esse problema e lutei durante muitos anos contra a perda de professores espetaculares. Outra questão é que, antigamente, os grandes engenheiros eram os melhores professores. Hoje, os professores de Engenharia são, na grande maioria, profissionais que não arrumaram emprego e fizeram mestrado e doutorado para trabalhar nas universidades. Eles têm pouca experiência. E isso contribui para a queda de qualidade do ensino.

FOLHA DIRIGIDA - Como fazer para se implementar uma política de real valorização do magistério em todos os níveis de ensino?

Francis Bogossian - Obviamente com salários atraentes. Depois, o fato das instituições terem professores que, em tese, deveriam ser exclusivos, mas devido aos baixos salários buscam atividades paralelas. O profissional que trabalha em tempo integral, muitas vezes, abre um escritório sem colocar seu nome, atuando, em tese, como colaborador. E dentro deste contexto equivocado, isso não pode ser considerado tão ruim, pois esse professor ganha experiência na execução do serviço. No entanto, o correto seria o professor ter um salário atraente. Considero que a dedicação exclusiva nas universidades deveria acabar, pois o professor precisa estar no mercado de trabalho.

FOLHA DIRIGIDA - Como o senhor vê a explosão da internet e suas repercussões no campo educacional?

Francis Bogossian - Sob o ponto de vista da qualidade isso foi muito importante. No entanto, também diminui a oferta de vagas no mercado de trabalho. Antigamente, havia dezenas de desenhistas. Hoje, esse profissional quase não existe, pois o computador o substituiu com qualidade, oferecendo todas as informações necessárias para essa atividade. Por isso, o profissional precisa se qualificar para buscar novas funções na área.

FOLHA DIRIGIDA - Alguns defendem a implantação do ensino pago nas universidades públicas. Qual a sua posição sobre o assunto?

Francis Bogossian - Sou completamente a favor do ensino pago. Quem não possui recursos para pagar deve receber bolsa de estudos, não apenas para estudar, mas também para alimentação e transporte. As universidades públicas estão sendo freqüentadas pelos mais favorecidos, que puderam estudar em excelentes colégios e ter professores particulares. O aluno carente que teve uma educação de menor qualidade vai para a universidade particular. Hoje, a universidade privada está cheia de pessoas que não podem pagar. E as públicas com estudantes que não precisariam estar estudando de graça.

FOLHA DIRIGIDA - Como seria esse processo de seleção?

Francis Bogossian - Os estudantes de universidades públicas pagariam, porém eles ganhariam uma bolsa de estudos. O governo poderia depositar dinheiro para financiar o estudo dos alunos e depois que eles se formassem haveria um comprometimento do estudante em ressarcir o estado, possibilitando que este recurso seja utilizado novamente por outro aluno na mesma situação. Para saber a situação do aluno poderíamos utilizar o Imposto de Renda.

FOLHA DIRIGIDA - Qual a sua análise sobre a grande expansão das universidades privadas no país?

Francis Bogossian - O crescimento de vagas nas boas universidades particulares é positivo. Mas, nas ruins, isso é imensamente negativo. Quero destacar que existem muitas universidades boas, no entanto, infelizmente verificamos a manutenção de várias de baixa qualidade. Em paralelo, é deplorável o que o governo federal faz com as universidades públicas, deixando-as sem recursos. Quando dava aula de Engenharia na UFRJ levava meu próprio projetor de slides, pois a instituição não possuía equipamentos suficientes. Além disso, a universidade não tinha laboratórios especializados e equipamentos de campo. Ministrava aulas de laboratório em minha empresa, a Geomecânica. E até hoje, a Geomecânica contribui com as universidades no sentido de proporcionar aos alunos a oportunidade de ver os equipamentos de investigação de campo, o que as instituições de ensino não possuem.

FOLHA DIRIGIDA - O Exame de Ordem da OAB é sempre citado como um grande exemplo de avaliação, muitas vezes, evidenciando a formação deficiente dos estudantes. O senhor acha que deveria haver um exame nesses moldes para os alunos de Engenharia?

Francis Bogossian - Sim. Inclusive fui convidado para presidir o Instituto Brasileiro de Certificação Profissional, pela Fundação Cesgranrio. Esse programa tenta estender para todas as profissões o que a OAB já vem fazendo com o Direito. No entanto, há uma reação muito grande contra essa medida. A idéia é começar a fazer as certificações a partir dos alunos que estão sendo formados. Não será o profissional formado há muitos anos que será chamado. Propus que esse sistema de certificação seja elaborado de comum acordo entre professores e empresários da construção. Isso permitiria a junção entre a teoria e a prática. Além de ser uma iniciativa que geraria mais empregos, pois os professores ajudariam a formular quesitos e provas. A reação a essa proposta foi negativa. Mas, em breve, essa proposta vai virar lei, em razão do governo federal já estar considerando efetivamente essa questão. O problema é que, devido às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), está tudo parado em Brasília. Inclusive, as áreas de Administração e Educação Física já estão se organizado para realizar a certificação.

FOLHA DIRIGIDA - O Instituto Brasileiro de Certificação Profissional já é uma realidade. Ele está em efetivo funcionamento?

Francis Bogossian - Existe um projeto pronto para o instituto, mas ainda não está funcionando como queríamos. A mão-de-obra especializada do país já entendeu a importância da certificação. A Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) também está defendendo a certificação profissional. Com esse instituto, o empregado que progride será valorizado. É uma iniciativa importante para o Brasil.

FOLHA DIRIGIDA - A seu ver, quais seriam as principais falhas a serem corrigidas no sistema educacional? Quais são os principais novos desafios?

Francis Bogossian - São vários problemas, mas considero que a saída é atrair o engenheiro que atua no mercado de trabalho para o magistério. Estes profissionais têm uma visão atualizada da carreira e podem contribuir muito com o meio acadêmico.

FOLHA DIRIGIDA - O senhor acha que o ensino técnico deveria ser mais incentivado no país?

Francis Bogossian - Sim. O ensino técnico é muito importante e deve ser incentivado. Temos a péssima cultura de valorizar apenas o ensino superior em detrimento da educação técnica. Trata-se de uma mudança de cultura a ser incentivada.

FOLHA DIRIGIDA - Quais são os seus planos à frente desse novo mandato na Associação de Empresas de Engenharia do Estado do Rio de Janeiro?

Francis Bogossian - Neste quarto e último mandato, que ao final, terei completado 12 anos à frente da instituição, pretendo lutar pela retomada do desenvolvimento nacional, aproveitando a importância da Associação de Empresas de Engenharia do Estado do Rio de Janeiro, que possui ressonância nacional. Também sou conselheiro da Câmara Brasileira da Indústria e da Construção e do Fórum da Construção Pesada. Então, é obrigação de quem está em contato com essam instituições lutar por uma mudança de cenário no país. Precisamos retomar urgentemente o desenvolvimento do Brasil. Em segundo lugar, quero lutar pelo Rio de Janeiro. O Estado do Rio vem sendo preterido nos programas do governo federal, como verificamos no caso do Metrô. O governo concede verba para São Paulo, Ceará e Rio Grande do Sul, mas para o Rio nada. E isso não é justo com um estado que tanto contribui para o crescimento do Brasil.